Lafer: Governo Lula apoia ação que ‘reforça o antissemitismo’

Ex-chanceler condena apego do Brasil às acusações de genocídio contra Israel


Foto/Divulgação

Celso Lafer Foto: Wilson Dias/Agência Brasil



O ex-chanceler Celso Lafer, professor de direito internacional, disse que o governo Lula, ao apoiar as acusações de genocídio contra Israel no tribunal da ONU, está alimentando o antissemitismo.

- É uma fuga conceitual de má-fé utilizar a atribuição de genocídio para discutir disputas jurídicas relacionadas à aplicação do direito humanitário e aos problemas da situação humanitária prevalecente em Gaza - disse o advogado em carta enviada ao chefe do Itamaraty, Mauro Vieira e publicado nesta sexta-feira (12).

Para Lafer, apoiar a África do Sul neste episódio é “uma decisão de política externa que reflete as inconsistências e tensões do atual clima político”.

A África do Sul condena Israel por cometer genocídio na Palestina. Lula aderiu formalmente ao cargo na última quarta-feira (10), após reunião com o embaixador palestino no Brasil.

A ação foi ajuizada na Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, e seu julgamento começou nesta quinta-feira (11).

Leia a carta de Lafer para Mauro Vieira:


Pelas razões explicadas abaixo, tomo a liberdade de comentar a iniciativa da África do Sul de levar as acusações de genocídio de Israel à Corte Internacional de Justiça – e o apoio do Brasil a tal iniciativa.

A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948, promulgada no Brasil, configura a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional como componente essencial do tipo de crime. A sua fonte material foi a reação da comunidade internacional aos horrores do Holocausto, deliberadamente perpetrado pelo racismo dos governantes nazis contra os judeus na Europa, como sabemos, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

Um tratado internacional, conforme estipulado na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, ratificada pelo Brasil, deve ser celebrado de boa fé pelas suas partes contratantes. Portanto, deve também ser interpretado de boa-fé, de acordo com os seus termos e à luz do seu fim e finalidade, que inclui o sentido constitutivo de intenção, mens rea.

A mens rea do tipo criminoso de genocídio não surge na condução das atividades militares israelenses na Faixa de Gaza. Estas atividades representam uma resposta à agressão contra o território de Israel, levada a cabo indiscriminadamente pelo Hamas, que controla politicamente a Faixa de Gaza.

É um deslize conceptual de má-fé utilizar a atribuição de genocídio para discutir as disputas jurídicas em torno da aplicação do direito humanitário e os problemas da situação humanitária em Gaza, que são questões sérias e de grande preocupação.

Em suma, na minha avaliação, a iniciativa sul-africana não se propõe discutir o jus in bello e os seus princípios. É uma instrumentalização do direito internacional. O seu objectivo é contribuir para a deslegitimação do Estado de Israel a nível internacional, incitando ao genocídio. Fortalece o anti-semitismo. Provavelmente está de acordo com aqueles que procuram minar o direito de existência de Israel, que é a intenção expressa da estratégia e do comportamento do Hamas, dos seus apoiantes e simpatizantes.

Uma das minhas preocupações como chanceler, que você acompanhou, foi garantir a coerência da política jurídica externa do Brasil. É uma componente formativa do nosso lugar no mundo e, como tal, parte do processo de tomada de decisões em política externa. Está ligado à credibilidade do nosso “soft power”. Pressupõe coesão.

Aprovação da iniciativa sul-africana mencionada no comunicado do Itamaraty de 10.1. não atende aos requisitos de consistência e coerência da política jurídica externa brasileira. Não é uma forma adequada de discutir os desafios jus in bello com os quais o nosso país está legitimamente a lidar.

O apoio da África do Sul é uma decisão de política externa que apoia a instrumentalização do direito internacional. Não está de acordo com o rigor das normas legais. Reflete as inconsistências e tensões do actual clima político. Não acrescentará credibilidade erga omnes à posição do Brasil em muitos casos da vida internacional.

Isto é o que submeto à consideração, também como dedicado professor de direito internacional.

Com cumprimentos, com abraços.



Fonte:pleno.news

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